Chegando à casa dos moradores para gravar e o cafezinho já estava garantido

A produção audiovisual em comunidades de difícil acesso da Amazônia se assemelha à etnografia das Ciências Sociais e pode despertar o blues antropológico na equipe de filmagem

“Ela estava sempre passando um paninho nas máquinas. Eles têm o maior cuidado com os equipamentos, são receptivos com a gente e demonstram muita gratidão com o projeto em si”, lembra Augusto Dauster, diretor de fotografia das gravações da Forest nas duas últimas semanas em assentamentos do Pará. O carinho e a hospitalidade estão estampados nas histórias de quem filmou o documentário sobre as ações do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e de parceiros para levar práticas sustentáveis e água a famílias no Norte do Brasil.

Ter acesso a direitos humanos fundamentais, como à água e à terra, tem consequências transformadoras na vida de produtores rurais. “Muitas pessoas tinham que caminhar até três quilômetros para conseguir água potável. É um projeto que vem libertando essas famílias”, afirma Augusto. As iniciativas “Nossa Água”, financiada pelo  Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), e “Assentamentos Sustentáveis na Amazônia”, com recursos do Fundo da Amazônia, têm o objetivo de transformar a qualidade de vida de famílias assentadas nas regiões da Transamazônica, Baixo Amazonas e BR-163.

Conhecer e registrar realidades diferentes daquelas vivenciadas cotidianamente pela equipe da Forest é um momento de muito aprendizado, similar ao trabalho de campo da etnografia. Segundo o antropólogo Roberto DaMatta, existem três fases para este processo: a teórico-intelectual, a prática e a existencial. Na primeira etapa, que aconteceu durante a reunião de briefing, é essencial levantar todas as informações e materiais disponíveis para entender os projetos. Porém, como explica DaMatta, o pensamento e os diagramas parecem perfeitos, pois estamos falando de interlocutores de “papel”.

No plano prático, “a nossa preocupação muda subitamente das teorias mais universais para os problemas mais banalmente concretos”, detalha o antropólogo. É o período da produção dos vídeos, de saber onde e como os profissionais vão dormir e comer, por exemplo. No Pará, a logística foi facilitada pela gentileza dos agricultores rurais. “É só chegar para gravar na casa de alguém que o cafezinho da tarde ou o suquinho gelado estão garantidos”, afirma Augusto. A receptividade é marca registrada naquela região e há o efetivo encontro entre as pessoas – não mais de “papel”, mas de carne e osso.

 

Último dia de filmagens no Pará (Foto: acervo da Forest Comunicação)

 

Adentra-se, então, na última fase, existencial, para compreender as lições a serem tiradas da experiência. “A maioria (dos agricultores) já tem grande parte da floresta conservada. Lembro de uma agricultora que tem 100 hectares de floresta, toda preservada. Ela vive assim por opção própria mesmo, quer preservar a mata, diz que não precisa desmatar. Vive exclusivamente da extração de açaí, polpa de frutas e castanha”, argumenta Augusto. “A importância do documentário é mostrar que eles estão tendo melhoria de vida com o projeto, ele deu e está dando certo.”É no retorno para casa que a equipe de gravação pode sentir o blues antropológico. Primeiro, há o estranhamento em vivenciar uma nova cultura e, agora, o familiar aparenta diferente com os questionamentos levantados em campo. É provável até sentir uma pequena tristeza em deixar para trás esta outra realidade. Para Augusto, o maior registro da viagem foi a espontaneidade das gravações, das conversas, e a certeza de que vidas estão sendo mudadas. “Foi um projeto muito bom, de experiências bem-sucedidas. Foi bonito e fácil. Eles são muito sinceros, é só ligar a câmera e gravar. Difícil é fotografar a cara amarrada de um político e fazer uma foto boa.”